RELATORIO Augustos e Dignissimos Senhores Representantes da Nação Nomeado, como já sabeis, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros por decreto de 27 de junho do anno proximo passado, venho dar-vos conta dos principaes negocios que teem corrido por esta Repartição desde a data do relatorio daquelle anno que tive a honra de apresentar-vos sendo Ministro interino. CONGRESSO DOS ESTADOS DA AMERICA DO SUL CELEBRADO EM MONTEVIDEO PARA FORMULAR TRATADOS SOBRE AS MATERIAS COMPREHENDIDAS NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO O Governo Imperial foi convidado pelos das Republicas Argentina e Oriental do Uruguay para tomar parte em um Congresso dos Estados da America do Sul, que se abriria em Montevidéo a 25 de agosto do anno proximo passado e no qual se formulariam tratados sobre as materias comprehendidas no Direito Internacional Pri Esse convite foi aceito com satisfação; mas o Governo Imperial não mandou logo os seus Plenipotenciarios; autorisou os Ministros acreditados em Montevidéo e Buenos-Ayres a represental-o no acto da abertura do Congresso e nos subsequentes que não exigissem discussão. Foi nomeado um só plenipotenciario, o Sr. Conselheiro de Esta do Domingos de Andrade Figueira, naturalmente indicado para tão honrosa missão pelo seu talento, illustração e reconhecida aptidão nas materias que iam ser discutidas. Chegou a tempo de tomar parte no exame do primeiro projecto de tratado.. O Congresso foi aberto no dia para isso designado e firmou tratados sobre os seguintes assumptos: Propriedade litteraria e artistica Processo judicial Marcas de commercio e de fabrica Patentes de invenção Direito commercial internacional Direito penal internacional Direito civil internacional Exercicio de profissões liberaes Tambem assignou um protocollo addicional estabelecendo regras geraes para a applicação das leis de qualquer dos Estados contractantes nos territories dos outros nos ca sos determinados nos referidos tratados. O Plenipotenciario Brasileiro só firmou os primeiros cinco tratados e o protocollo. Absteve-se quanto aos outros tratados pelas razões que passo a transcrever dos seus officios. Tratado de direito penal internacional: « Contém este disposições relativas á competencia da jurisdicção para co< nhecer dos crimes e delictos, ao asylo, ao regimen e ao processo da extradição, bem como á prisão preventiva. Entre ellas avultam, sem duvida, provisões de manifesta utilidade, muitas das quaes geralmente adoptadas nos tratados internacionaes e praticadas pelas « nações cultas, e outras contendo innovações felizes e praticas adoptadas e usadas; mas, sem embargo, vi-me forçado a impugnar o conjuncto das disposições do pro « jecto e a votar contra o tratado proposto pelas considerações que passo a deduzir. « O projecto em questão parte do ponto de vista da justiça penal territorial « no sentido o mais restricto, qual o de abranger a lei penal sómente os delictos praticados dentro dos limites do territorio da nação e não no sentido mais lato em que • a tomam não só a legislação Brasileira, como a de quasi todos os povos civilisados, de << applicar-se dentro do territorio do paiz a factos praticados fóra delle. Dahi resulta « um antagonismo profundo entre as provisões do projecto e o systema penal regulado « pela nossa recente lei n. 2615 de 4 de agosto de 1875, cuja execução foi regulada • pelo decreto n. 6934 de 8 de junho de 1878, a qual manda processar e punir não só • os crimes commettidos em paiz estrangeiro contra o Brasil e os Brasileiros, mas ⚫ tambem os commettidos por Brasileiros contra Brasileiros ou estrangeiros ou por • estrangeiros contra Brasileiros, nos termos dos Artigos 3 e5. « Sendo esta a nossa legislação recente, que está de accordo com a de quasi todas « as nações com quem mantemos relações e á sombra da qual temos celebrado tra« tados internacionaes vigentes, não me julguei autorisado, em nome do Governo • Imperial, a aceitar modificações que importariam revogação da lei actual sem acto << legislativo que o permittisse; nem prudente admittil-as, sujeitas a approvação ⚫ posterior do poder competente, visto que viriam perturbar sem grande vantagem « pratica a jurisprudencia estabelecida no paiz. « Como consectario do principio adoptado, o projecto em discussão consagra « a extradição do nacional por delictos praticados fóra do paiz, delictos que a lei < penal restrictamente territorial não attinge: a lei penal brasileira, porém, pu« nindo o delicto commettido por Brasileiro em paiz estrangeiro, não colloca o Go• verno na contingencia de entregar o nacional ou de consagrar a impunidade. « Não podia, portanto, ceder nessa parte, annuindo á extradição do Brasileiro • refugiado no Imperio por motivo de delicto praticado no territorio de alguma • das nações contractantes. << Entre os tratados internacionaes só conheço dous de recente data que con« sagram a doutrina da extradição do nacional, o da Inglaterra com a Hes « panha e o da Republica Argentina com este Estado Oriental, ambos celebrados « por Estados onde a lei penal interna não pune delictos commettidos fóra do paiz, i << sendo que a Hespanha, que tem lei penal identica á lei Brasileira, recusou-se a < entregar o seu nacional naquelle mesmo tratado pelo qual a Inglaterra « a isso se comprometteu. Todos os demais tratados, antigos e modernos, e ainda « os de datas as mais recentes celebrados pelos proprios Estados representados no • Congresso consagram a doutrina geralmente ensinada pelos escriptores e tracta<< distas os mais modernos, adoptada no Brasil como doutrina constitucional, e praticada por todos os Governos sem excepção. « Outra serie de provisões do projecto com as quaes não me foi dado concordar re« fere-se ao processo da extradição. O projecto declina esta medida da esphera interna<< cional, a que ella pertence, para a esphera do direito privado, deferindo o seu conhecimento e concessão ao poder judiciario de cada paiz e por um processo minuciosamente regulamentar, como V. Ex. terá tido occasião de verificar pelo exemplar K que tive a honra de enviar-lhe. Apoiei-me na lição dos mais acreditados escripto« res que consideram o direito penal estranho por sua indole ao direito internacional « privado, e a extradição como medida eminentemente governamental e internacional: na divisão de poderes consagrada em nossa Constituição politica, que não soffreria tal desclassificação determinada por um tratadó: na inconveniencia de deferir a po << deres locaes independentes, qual o judiciario de cada paiz, a concessão da extradição, << a que o Governo se compromettera, de modo geral, por virtude dos tratados, e quiçá « por via diplomatica: na conveniencia de deixar antes a materia para ser regu << lada por leis internas de cada um dos paizes contractantes, como haviam feito << algumas nações modernas, deferindo o processo ao poder judiciario. Tratado de direito civil internacional: « Não adoptei os projectos de tratado de direito civil porque não foi possivel « conciliar as provisões nelle consignadas com os preceitos, a alguns respeitos << fundamentaes, da legislação patria. ( A commissão respectiva dividiu-se, formulando a maioria o projecto que serviu de base á discussão e foi afinal adoptado pelo Congresso com as modificações constantes do impresso junto, e a minoria outro, do qual já remetti um exemplar < conjunctamente com o da maioria. Ambos os projectos, divergindo na fórma, combinavam no fundo quanto |